Sou uma lembrança longínqua, o sol isolado em meio ao horizonte distante. Sou apenas horas retrocedendo em um relógio sem corda. Tiquetaqueando ao longe. O som nostálgico capturado por seus ouvidos. No entanto, você não retém meus segundos vazios.
Preciso desesperadamente compreender como as lembranças tornam-se lembranças. Tão-somente. Qual o misterioso processo que te sacralizou numa única palavra. Minha essência foi corrompida pela memória. Sou apenas uma sombra desvanecente, perdida no labirinto impenetrável das suas recordações.
Necessito entender como as lágrimas caem com o mesmo afã desesperado de meses atrás, porque elas sobrevivem a toda essa angústia? Quando a saudade tornou-se densa, capaz de turvar minha percepção? Saudade. Eu sinto falta.
Sobretudo a ausência pesa. Uma música dói. Um cheiro queima. O sono que compartilhamos. A chuva batendo leve na janela derrama tristeza. O prenúncio de uma possível aproximação, ainda que efêmera, causa frêmito nos nervos. O calor do toque rápido me contenta. Em que momento aprendi a satisfazer-me com tão pouco? Desde que a incerteza postou-se diante do meu futuro.
A existência era plena, pois me valia do espectro da sua presença rondando meus planos. Ah, os planos! Não intencionava coisa alguma sem que seu sorriso, seu cabelo, suas mãos, suas palavras, estivessem de alguma forma envolvidos. A minha vida estava (temo dizer que ainda está) intrínseca na sua própria.
Hoje tenho exclusivamente esse abismo cheio de nada. O único que posso realmente chamar de meu. Meu precipício. Meus fracassos insólitos. A desesperança corrosiva e o autoflagelo. Sou sádica de mim mesma. Saltarei em breve.
Cena do filme: A insustentável leveza do ser