terça-feira, 1 de novembro de 2011

"Tudo se transforma numa cama desfeita"


Sou uma lembrança longínqua, o sol isolado em meio ao horizonte distante. Sou apenas horas retrocedendo em um relógio sem corda. Tiquetaqueando ao longe. O som nostálgico capturado por seus ouvidos. No entanto, você não retém meus segundos vazios.
Preciso desesperadamente compreender como as lembranças tornam-se lembranças. Tão-somente. Qual o misterioso processo que te sacralizou numa única palavra. Minha essência foi corrompida pela memória. Sou apenas uma sombra desvanecente, perdida no labirinto impenetrável das suas recordações.
Necessito entender como as lágrimas caem com o mesmo afã desesperado de meses atrás, porque elas sobrevivem a toda essa angústia? Quando a saudade tornou-se densa, capaz de turvar minha percepção? Saudade. Eu sinto falta.
Sobretudo a ausência pesa. Uma música dói. Um cheiro queima. O sono que compartilhamos. A chuva batendo leve na janela derrama tristeza. O prenúncio de uma possível aproximação, ainda que efêmera, causa frêmito nos nervos. O calor do toque rápido me contenta. Em que momento aprendi a satisfazer-me com tão pouco? Desde que a incerteza postou-se diante do meu futuro.
A existência era plena, pois me valia do espectro da sua presença rondando meus planos. Ah, os planos! Não intencionava coisa alguma sem que seu sorriso, seu cabelo, suas mãos, suas palavras, estivessem de alguma forma envolvidos. A minha vida estava (temo dizer que ainda está) intrínseca na sua própria.
Hoje tenho exclusivamente esse abismo cheio de nada. O único que posso realmente chamar de meu. Meu precipício. Meus fracassos insólitos. A desesperança corrosiva e o autoflagelo. Sou sádica de mim mesma. Saltarei em breve.




Cena do filme: A insustentável leveza do ser

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Caos




Acima dos edifícios empoeirados
Corpos sobem
Flutuam
Dentro das luzes envidraçadas
Corpos reluzem
Leves
Desfalecidos nas camas desfeitas
Corpos derretem
Indecentes

Saltam empoeirados do edifício
Lá fora, impassível
A cidade anoitece
Acendem-se todas as luzes fortes
Cegam as pupilas
Incomodam os seres
Que se escondem vermelhos
Pelos cantos, desleixados
Desnudos, lascivos
Soltando agudos sussurros libertinos

Indiferente, meu corpo cor de areia
Enxerga sem ver os vidros da veneziana embaçada
Inconsciente, minha mão mergulha macia
Tateando os estragos da noite
Ouvidos ocos não ouvem os gemidos vindos de fora
Recuo aos apelos dos filhos paridos no crepúsculo
Ludibriando toda loucura noturna
Recuso os apelos dos filhos da noite
Naufraga, nua... nada?  
Nauseada, possuída por alguma obsessão
Arrebatada, convulsa buscando paredes movediças

Lá fora, sem saber
As pessoas dançam alucinadas
Música silenciosa das harpas sem cordas
Extravagantes, exibindo orgulhosas
Prodígios carnais frenéticos
Em cima dos edifícios
Anjos suicidas pulando da corda bamba
Ali no alto, perto do céu
Estrelas descoloridas brincando no escorregador
Tingem a lua de escarlate
Façam um pedido.
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             



segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Se se morre de amor?

Aonde está você agora
Além de aqui dentro de mim...

Vento no Litoral _ Legião Urbana


 Então ele abriu a porta e saiu embriagado pelas lágrimas e cambaleando ao passo de cada soluço. Aquele lamento salgado lhe queimava o rosto.
 Ela ficou séria e pensativa. Todos os dias nos quais viveram despreocupadamente passavam como uma ventania pela sua mente, as lembranças estáticas pairavam bailantes diante dos seus olhos assustados. O ar estava pesado, enchia os pulmões de chumbo e tristeza.
 Não sabia afugentar a esperança. Não saber aterroriza. Pensava somente na falta dele projetando-se no futuro. Vacilante.
 Poderia correr agora se sentisse o próprio corpo. Poderia beijá-lo se saboreasse outra vez o contato quente da sua pele ebúrnea .
 Lembrou-se das carícias. Gemidos ultrapassando as paredes e a porta trancada. Sentiu o gosto dele e engoliu. Sorveu também seu cheiro na própria pele. Dilatou as narinas como se aspirasse todo íntimo dele.
 Pensou o quanto adorava e desejava sempre cada pedacinho de carne, cada partícula mística daquele corpo ausente. 

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Reconhecimento

Uma vez conheci um garoto
Que tinha estrela nos olhos
Um céu inteiro em sua boca
A Lua nas palavras
O Sol no sorriso
Tudo que dizia eram sonhos
Barcos a vela e brisas
Seus cabelos eram nuvens
Tinha asas nas costas
E o universo inteiro no corpo

Certo dia...
Mergulhamos no infinito
Pra achar poesia
Onde duas retas se encontram
E nenhuma rima combina

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Cósmico

Nada brota nesse solo infecundo no qual plantou as sementes dos sonhos abortados. O sangue é o único fluido exuberante capaz de jorrar dessa boca escancarada. Somente tu, menina solitária, agarrará a cauda de um cometa errante e habitará o Sol com seus descendentes. Um deus violador fecundará seu ventre murcho, logo depois morrerá. O corpo arrebentado de tanto inflar de esperança. Seu fruto também foi plantado. Uma partícula a mais de crença espalhada pelo universo.




                                                                                                    
Imagem: ‘Back into the Tempest’, Gustave Dore
                                                                                                                                                                                                                      





domingo, 19 de junho de 2011

Recordações adormecidas

A rua está pavimentada com sonhos
Dentro de você sinto um poema escrito
A ânsia soletra os sons da nostalgia
As lembranças confortam a insanidade

Na memória, o seu corpo afaga meus desejos 
Nossas mãos guardam cuidadosamente o futuro
Enquanto as linguas recolhem suor quente
E o sono apaga o Sol

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Morrer, nascer e amar outra vez

Eu te amo de longe com a força de um animal caçando
Aguardo cada segundo
Sondando seu passo manso
Sentindo seu cheiro doce
Juntar-se a poeira seca

Quando estamos juntos
Nossos corpos entrelaçam-se com destreza
De água viva na correnteza
E a espuma do mar nos nossos tentáculos
Amolece a tez úmida
Salga a pele, o beijo.
Torna transparente a pretensão
Transparecendo na ponta dos dedos
Denunciando bem querer
Domo os desejos alados
Dados sem medição
Engaiolo na palma da mão
Suas vontades, veleidades
Vaidades...
Trago dentro do corpo
Aquilo que te torna frêmito
Farta o abundante gozo
Faz a mente absorta
Por minutos de redenção
 
Tenho a força do mundo
Escondida por debaixo do ventre
Envolta por muitos cuidados
Tenho suas caricias
Carrego então escondida
A abstração do universo
Posta à mostra somente
No úmido, quente de um beijo
Na boca destilando desejo
E nos incontáveis segundos
Entre morrer, nascer e amar outra vez.